STF PROÍBE USO DA TESE DE LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA EM CRIMES DE FEMINICÍDIO – DECISÃO STF:
Em decisão unânime, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) entendeu
que a tese contribui para a naturalização e a perpetuação da cultura de
violência contra a mulher. Assim, foi firmado entendimento de que
a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por violar os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da
igualdade de gênero. A decisão, tomada na sessão virtual encerrada em 12/3,
referendou liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli em fevereiro, na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779.
Na
ação, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) argumenta que há decisões de
Tribunais de Justiça que ora validam, ora anulam vereditos do Tribunal do Júri
em que se absolvem réus processados pela prática de feminicídio com fundamento
na tese. O partido apontou, também, divergências de entendimento entre o
Supremo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Argumento odioso, desumano e cruel
Ao
reafirmar sua decisão liminar, o ministro Dias Toffoli deu interpretação
conforme a Constituição a dispositivos do Código Penal e do Código de Processo
Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da
legítima defesa. Acolhendo sugestão do ministro Gilmar Mendes, o voto de
Toffoli determina que a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo não
podem utilizar, direta ou indiretamente, o argumento da legítima defesa da
honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou
processual penais nem durante julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena
de nulidade do ato e do julgamento. Na decisão liminar de fevereiro, o
impedimento se restringia a advogados de réus.
Segundo
Toffoli, além de ser um argumento “atécnico e extrajurídico”, a tese é um
“estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à
igualdade e à vida” e totalmente discriminatório contra a mulher. A seu ver,
trata-se de um recurso argumentativo e retórico “odioso, desumano e cruel”
utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher
para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo
para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres
no Brasil.
Ao
ressaltar que o argumento não é, tecnicamente, legítima defesa (essa, sim,
causa de excludente de ilicitude), o ministro registrou que, para evitar que a
autoridade judiciária absolva o agente que agiu movido por ciúme, por exemplo,
foi inserida no Código Penal a regra do artigo 28 de que a emoção ou a paixão
não excluem a imputabilidade penal. “Portanto, aquele que pratica feminicídio
ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a
se defender, mas a atacar uma mulher de forma, desproporcional, covarde e
criminosa”, afirmou.
Ranços machistas
Para
o ministro Alexandre de Moraes, o Estado não pode permanecer omisso perante a
naturalização da violência contra a mulher, sob pena de ofensa ao princípio da
vedação da proteção insuficiente e do descumprimento ao compromisso adotado
pelo Brasil de coibir a violência no âmbito das relações familiares. A ministra
Cármen Lúcia, por sua vez, afirmou que a tese não tem amparo legal e foi
construída como forma de adequar práticas de violência e morte “à tolerância
vívida”, na sociedade, aos assassinatos de mulheres tidas por adúlteras ou com
comportamento que destoe do desejado pelo matador. Já o ministro Gilmar Mendes
ressaltou que a tese é pautada “por ranços machistas e patriarcais, que
fomentam um ciclo de violência de gênero na sociedade”.
Também
acompanharam integralmente o relator a ministra Rosa Weber e os ministros Marco
Aurélio, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski.
Absolvição por clemência
Os
ministros Luiz Fux, Edson Fachin e Roberto Barroso votaram pela concessão da
liminar pedida pelo PDT em maior extensão, para também dar interpretação
conforme a Constituição ao artigo 483, inciso III, parágrafo 2º, do Código de
Processo Penal (CPP) e determinar que o quesito genérico de absolvição previsto
no dispositivo não autoriza a utilização da tese de legítima defesa da honra,
permitindo, assim, ao Tribunal de Justiça anular a absolvição manifestamente
contrária à prova dos autos.
Ao
apresentar a ressalva, Fachin explicou que, ainda que fundada em eventual
clemência, a decisão do júri deve ser minimamente racional, e deve ser
assegurado ao Tribunal de Justiça o controle mínimo dessa racionalidade, para
evitar que a absolvição ocorra com base na tese inconstitucional. Para o
ministro Fux, presidente do STF, deve-se impedir a interpretação do dispositivo
que impeça a interposição de recurso contra a absolvição por clemência em casos
de feminicídio tentado ou consumado.
O
ministro Dias Toffoli também considerou inaceitável a absolvição de um acusado
de feminicídio com base “na esdrúxula tese” da legítima defesa da honra por
meio do dispositivo do CPP. No entanto, ele se restringiu a impedir a sua
utilização perante o Tribunal do Júri, facultando-se ao titular da acusação
recorrer. Ele lembrou, ainda, que a matéria sobre os limites da liberdade
conferida aos jurados pelo artigo 483, parágrafo 2º, do CPP será objeto de
discussão pela Corte no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1225185, com
repercussão geral reconhecida.
Processo
relacionado: ADPF 779
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mais:
26/2/2021
- Liminar impede uso da tese de legítima defesa da
honra em crimes de feminicídio
Fonte: STF.
Rodrigo Rosa
Advocacia
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