INJÚRIA RACIAL É CRIME IMPRESCRITÍVEL, DECIDE STF:
O Plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crime de injúria racial configura
um dos tipos penais de racismo e é imprescritível. Por maioria de votos, o
colegiado negou o Habeas Corpus (HC) 154248, em que a defesa de uma mulher
condenada por ter ofendido uma trabalhadora com termos racistas pedia a
declaração da prescrição da condenação, porque tinha mais de 70 anos quando a
sentença foi proferida.
Injúria
qualificada
L.M.S.,
atualmente com 80 anos, foi condenada, em 2013, a um ano de reclusão e 10
dias-multa pelo juízo da Primeira Vara Criminal de Brasília (DF) por ter
ofendido uma frentista de posto de combustíveis, chamando-a de “negrinha
nojenta, ignorante e atrevida”. A prática foi enquadrada como crime de injúria
qualificada pelo preconceito (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal). Ao
analisar recurso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o crime de
injúria racial seria uma categoria do crime de racismo, que é imprescritível.
Equivalência
Em voto
apresentado em novembro de 2020, o relator do HC, ministro Edson Fachin,
concordou com o entendimento do STJ e negou o habeas corpus. Segundo o
ministro, com a alteração legal que tornou pública condicionada (que depende de
representação da vítima) a ação penal para processar e julgar os delitos de
injúria racial, o crime passou a ser equivalente ao de racismo e, portanto,
imprescritível, conforme previsto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso
LXII).
Prescrição
Único a
divergir, o ministro Nunes Marques considerou que os crimes de racismo e
injúria racial não se equiparam, o que possibilita a decretação da prescrição.
Crime
inafiançável
Em voto-vista
apresentado nesta tarde, o ministro Alexandre de Moraes observou que a
Constituição é explícita ao declarar que o racismo é crime inafiançável, sem
fazer distinção entre os diversos tipos penais que configuram essa prática. O
ministro lembrou que, segundo os fatos narrados nos autos, a conduta praticada
por L.M.S. foi uma manifestação ilícita, criminosa e preconceituosa em relação
à condição de negra da vítima. “Como dizer que isso não é a prática de
racismo?”, indagou.
Inferiorização
da vítima
Segundo ele,
não é possível reconhecer a prescrição em um caso em que foi demonstrado que a
agressora pretendeu, claramente, inferiorizar sua vítima. Ele considera
necessário interpretar de forma plena o que é previsto pela Constituição quanto
ao crime de racismo, incluindo a imprescritibilidade, para produzir resultados
efetivos para extirpar essa prática, “promovendo uma espécie de compensação
pelo tratamento aviltante dispensado historicamente à população negra no Brasil
e viabilizando um acesso diferenciado à responsabilização penal daqueles que,
tradicionalmente, vêm desrespeitando os negros”, afirmou.
Racismo estrutural
No mesmo
sentido, o ministro Luís Roberto Barroso observou que, embora com atraso, o
país está reconhecendo a existência do racismo estrutural. Ele salientou que
não são apenas as ofensas, pois muitas vezes a linguagem naturalizada embute um
preconceito. “Não podemos ser condescendentes com essa continuidade de práticas
e de linguagem que reproduzem o padrão discriminatório”, disse.
Também para a
ministra Rosa Weber, as ofensas decorrentes da raça, da cor, da religião, da
etnia ou da procedência nacional se inserem no âmbito conceitual do racismo e,
por este motivo, são inafiançáveis e imprescritíveis.
Dignidade
No mesmo
sentido, a ministra Cármen Lúcia considera que, nesse caso, o crime não é
apenas contra a vítima, pois a ofensa é contra a dignidade do ser humano. Ela
ressaltou que, de acordo com o Atlas da Violência, em 2018, os negros foram
75,7% das vítimas de homicídio. “Vivemos numa sociedade na qual o preconceito é
enorme, e o preconceito contra pessoas negras é muito maior”, apontou.
Tratados internacionais
O ministro
Ricardo Lewandowski salientou que a Constituição, ao estabelecer que a prática
de racismo é imprescritível, não estipulou nenhum tipo penal. Segundo ele, isso
ocorre porque, ao longo do tempo, essas condutas criminosas se diversificam e é
necessário que os delitos específicos sejam definidos pelo Congresso Nacional.
Lewandowski também lembrou que o Brasil é signatário de tratados e convenções
internacionais em que se compromete a combater o racismo.
O ministro
Dias Toffoli também acompanhou o entendimento pela imprescritibilidade do
delito de injúria racial.
Efetividade
das normas
Para o
ministro Luiz Fux, presidente do STF, a discussão sobre a questão racial veio
se desenvolvendo para assegurar proteção às pessoas negras e vem passando por
uma série de mutações, alcançando uma dimensão social, e não meramente
biológica. “As normas constitucionais dessa sociedade, que já foi escravocrata
durante 400 anos e um péssimo exemplo para todo o mundo, só se podem tornar
efetivas através não só da previsão em abstrato, mas da punição”, afirmou.
Processo relacionado: HC 154248
Fonte: STF.
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