O inquérito policial segundo o STJ: respeito aos direitos e às garantias fundamentais:
Disciplinado, em especial, nos artigos 4º a 23 do Código de Processo Penal
(CPP), o inquérito policial
tem por finalidade subsidiar o oferecimento da denúncia ou
da queixa pelo titular da ação penal e
tem sido classificado como peça de natureza administrativa.
Em que
pese essa classificação, os procedimentos realizados no inquérito costumam
receber bastante atenção, visto que o delegado de polícia está mais próximo ao
ambiente do delito, o que, consequentemente, facilita a resolução dos crimes.
Criado
em 1871, enquanto ainda vigorava o regime imperial, o inquérito policial
passou por intensas transformações ao longo do tempo, principalmente após a
promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual concebeu nova face ao
direito penal e processual penal, à luz da dignidade da pessoa humana e do
respeito aos direitos e às garantias fundamentais.
Com
isso, o controle judicial da etapa investigativa passou a considerar todas
essas evoluções históricas, sociais e políticas. Duração do procedimento,
relevância desse instrumento para a apresentação da denúncia e
validade da pronúncia feita
apenas com base no inquérito são alguns dos
temas já analisados pelo STJ.
Denúncia anônima exige verificação prévia
Ao
julgar o RHC 139.242,
a Quinta Turma determinou o trancamento de inquérito policial
que apurava suposto esquema de pirâmide financeira, por entender que houve
ilegalidade na instauração do procedimento exclusivamente com base em denúncia anônima.
"É
firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há
ilegalidade flagrante na instauração de inquérito policial
que não foi precedida de qualquer investigação preliminar para subsidiar a
narrativa fática da delação apócrifa", afirmou o relator, ministro
Reynaldo Soares da Fonseca.
O
tribunal tem vários precedentes na mesma linha – que também é o entendimento do
Supremo Tribunal Federal (STF). No HC 496.100,
julgado pela Sexta Turma, o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmou
que "investigações iniciadas por delação anônima são admissíveis, desde
que a narrativa apócrifa se revista de credibilidade e, em diligências prévias,
sejam coletados elementos de informação que atestem sua verossimilhança".
Segundo o magistrado, ao receber uma denúncia anônima,
a polícia não pode instaurar inquérito para averiguar sua
veracidade.
"O
que a denúncia anônima possibilita
é a averiguação prévia e simples do que fora noticiado anonimamente e, havendo
elementos informativos idôneos o suficiente, aí, sim, é viável a instauração de inquérito e,
conforme o caso, a tomada de medidas extremas, como, por exemplo, a quebra de
sigilo telefônico", disse o magistrado.
Razoável
duração do inquérito policial
No HC 653.299, a
Sexta Turma do STJ decidiu pelo trancamento de inquérito policial
que já perdurava por mais de nove anos. O colegiado entendeu que a situação
violava o princípio da razoável duração do processo e impunha constrangimento
ilegal ao investigado, que, mesmo não tendo sido submetido à prisão preventiva ou
outra medida cautelar, conviveu durante todo esse tempo com o estigma de
suspeito da prática de crime.
No voto
que prevaleceu no julgamento, o ministro Sebastião Reis Júnior afirmou que,
sendo a razoável duração do processo uma cláusula pétrea no ordenamento
jurídico brasileiro, torna-se inadmissível que um cidadão seja
"indefinidamente investigado, transmutando a investigação do fato para a
investigação da pessoa".
O
magistrado destacou ainda que o prazo para a conclusão do inquérito policial,
em caso de investigado solto, é impróprio, ou seja, pode ser prorrogado
conforme a complexidade das apurações. Entretanto, afirmou, "é possível
que se realize, por meio de habeas corpus,
o controle acerca da razoabilidade da duração da investigação, sendo cabível,
até mesmo, o trancamento do inquérito policial, caso
demonstrada a excessiva demora para a sua conclusão".
"Ano
que vem, o inquérito comemorará bodas
de estanho – dez anos. Admitir essa demora será passar o pano para um evidente
desinteresse do Estado em se estruturar para prestar dignamente suas
funções", declarou.
Leia também: Sexta Turma determina trancamento de
inquérito que tramita há mais de nove anos
Peça
dispensável para o oferecimento da denúncia
Em 2016,
ao julgar processo sob segredo judicial, em que se questionou a nulidade de inquérito policial
realizado pela Polícia Federal em crimes de competência estadual,
a Quinta Turma reafirmou a jurisprudência do STJ de que eventual vício no inquérito não
compromete a ação penal dele decorrente.
Relator
do processo, o ministro Ribeiro Dantas disse que o inquérito é
dispensável para o oferecimento da denúncia, podendo
o titular da ação se valer de elementos informativos de outros
instrumentos de investigação preliminar, inclusive da própria comunicação do
fato criminoso.
No mesmo
sentido entenderam a ministra Laurita Vaz (AgRg no AREsp 1.374.735)
e os ministros Antonio Saldanha Palheiro (AgRg no AREsp 455.832)
e Joel Ilan Paciornik (AgRg no AREsp 1.392.381).
"Eventual
vício na prisão em flagrante ou no inquérito policial
não tem o liame de contaminar a ação penal, dada a natureza
meramente informativa das peças processuais e sua dispensabilidade na formação
da opinio delicti",
afirmou Laurita Vaz ao relatar o AgRg no AREsp 1.374.735.
Falta de
confissão do réu na fase inquisitorial
Em
agosto deste ano, a Sexta Turma entendeu que a ausência de confissão do autuado
durante o inquérito policial não
impede que o Ministério Público analise o oferecimento do acordo de não
persecução penal (HC 657.165). A
relatoria foi do ministro Rogerio Schietti Cruz.
O juiz
fundamentou ainda que o acordo de não persecução penal não é um direito
subjetivo do acusado, mas uma faculdade do órgão acusador.
No STJ,
o relator, ao determinar a remessa dos autos à instância revisora do Ministério
Público, destacou que o acordo de não persecução penal é um instituto
despenalizador que busca a otimização do sistema de Justiça criminal, por isso
não pode deixar de ser aplicado sem justificativa idônea.
Schietti
afirmou que a exigência de confissão ainda na fase policial poderia levar a uma
autoincriminação antecipada, apenas com base na esperança de oferecimento do
acordo, que pode nem ser proposto devido à falta dos requisitos subjetivos ou
por algum outro motivo.
Oferecimento
de denúncia contra
parte dos investigados
Ao
julgar a APn 989, a Corte
Especial, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, fixou que, pelo princípio
da obrigatoriedade da ação penal, o oferecimento de denúncia em
desfavor de alguns investigados no inquérito não
gera arquivamento implícito para os não denunciados, em relação aos quais as
provas sejam insuficientes no momento.
O caso
analisado pelo colegiado teve origem em denúncia oferecida
pelo Ministério Público Federal (MPF) contra 18 indiciados por crimes diversos,
especialmente contra a administração pública, envolvendo, entre outros
acusados, o então governador do Rio de Janeiro, desembargadores do Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª Região, juízes do trabalho e advogados.
"O Parquet,
como dominus litis,
pode aditar a denúncia, até a sentença final,
para a inclusão de novos réus, ou, ainda, oferecer nova denúncia a
qualquer tempo", afirmou a relatora.
Ilegalidade
da pronúncia baseada
apenas no inquérito
Aplicando
a orientação firmada pelo STF no HC 180.144, a
Sexta Turma, em decisão unânime, mudou seu entendimento e concedeu habeas
corpus a um réu que havia sido mandado a júri popular tão
somente em razão de provas produzidas durante o inquérito policial.
Além de despronunciar o
réu, o colegiado revogou sua prisão preventiva (HC 589.270).
Em seu
voto, o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, destacou que o princípio da
presunção de inocência, positivado na Constituição Federal, impõe ao Ministério
Público, como órgão acusador, a responsabilidade de comprovar suas alegações em
todas as fases e todos os procedimentos do processo penal.
Ele
salientou que a concretização dos princípios do contraditório e da ampla
defesa, também constitucionalmente previstos, impede que a sentença de pronúncia tenha
por base exclusiva provas não confirmadas na fase judicial.
"Objetivando
reposicionar o entendimento desta Sexta Turma, entendo que é ilegal a sentença
de pronúncia com base exclusiva em provas produzidas no inquérito,
nos termos do artigo 155 do Código de Processo
Penal", concluiu o ministro.
Leia
também: Sexta
Turma revê entendimento e decide que é ilegal pronúncia baseada apenas no
inquérito policial
Dessa
mesma forma já havia decidido a Quinta Turma no REsp 1.740.921,
ao negar a pronúncia de um acusado de
homicídio cuja denúncia se baseou apenas em
prova colhida em inquérito – momento em que
não há contraditório e ampla defesa. O colegiado ponderou que seriam
necessários outros elementos de prova produzidos judicialmente para submeter o
réu ao tribunal do júri.
Leia também: Quinta Turma nega pronúncia de réu
denunciado apenas com base em provas do inquérito
Inquérito arquivado por reconhecimento de
legítima defesa
Promovido
o arquivamento do inquérito policial pelo
reconhecimento de legítima defesa, a coisa julgada material
impede rediscussão do caso penal em qualquer novo feito criminal, descabendo
perquirir a existência de novas provas.
Esse foi
o entendimento da Sexta Turma ao julgar, em 2014, o REsp 791.471, de
relatoria do ministro Nefi Cordeiro. O colegiado destacou que a permissão legal
de desarquivamento do inquérito pelo surgimento de
provas novas (artigo 18 do CPP e Súmula 524 do STF)
somente tem incidência quando o fundamento do arquivamento foi a falta de
provas sobre indícios de autoria e de ocorrência do crime.
O caso
analisado pelo colegiado tratou da investigação de duas mortes atribuídas a
policiais civis que tentaram repelir agressão durante uma tentativa de resgate.
"Pensar
o contrário permitiria a reabertura de inquéritos por revaloração jurídica e
afastaria a segurança jurídica das soluções judiciais de mérito, como
no reconhecimento da extinção da punibilidade (por morte do agente, prescrição...),
da atipia ou, como na espécie, de excludentes da ilicitude. A decisão judicial
que define o mérito do caso penal, mesmo
no arquivamento do inquérito policial, gera
efeitos de coisa julgada material",
afirmou o relator.
No RMS 66.734, de
relatoria do ministro João Otávio de Noronha, a Quinta Turma entendeu como
válido o desarquivamento de inquérito para desconstituir
decisão inadequadamente fundamentada. No julgamento, a turma determinou a
revisão de arquivamento de inquéritos sobre fraude de mais de R$ 2,5 milhões.
"A
decisão de homologação de arquivamento de inquérito judicial
admite controle judicial em casos excepcionais, quando proferida em
desconformidade com o ordenamento jurídico vigente", destacou o relator.
Leia também: Quinta Turma determina revisão de
arquivamento de inquéritos sobre fraude de mais de R$ 2,5 milhões
Morte de civil por militar
Ainda
sobre o tema, a Terceira Seção do STJ, em julgamento de 2016, definiu que, em
crime doloso praticado
por militar contra a vida de civil, a competência para
julgamento é da Justiça comum – especificamente, do tribunal do júri, não sendo
permitido à autoridade judiciária militar arquivar precocemente o inquérito ao
argumento de que houve legítima defesa ou qualquer outra causa excludente de
ilicitude (CC 145.660). A
relatoria foi do ministro Rogerio Schietti.
Segundo
os autos, foram abertos dois inquéritos paralelos, um perante a Justiça
criminal comum e outro perante a Justiça Militar, para apurar a conduta de
policiais militares acusados de matar dois assaltantes com os quais trocaram
tiros.
No inquérito promovido
pela Justiça Militar, o Ministério Público reconheceu a competência da
Justiça comum e requereu a remessa dos autos. Porém, entendendo que os
policiais agiram em legítima defesa, o juiz auditor da Justiça Militar
considerou que a competência seria sua, não
do tribunal do júri, e arquivou o inquérito.
O
relator afirmou que, apesar da existência de precedentes do STJ no sentido de
autorizar o juiz militar, quando avalia sua própria competência para
o caso, a examinar eventuais fatores que excluam a ilicitude da conduta sob
investigação, a Constituição e as leis definem claramente a competência da
Justiça comum – especificamente, do tribunal do júri – para os crimes dolosos
contra a vida cometidos por militares contra civis.
Leia também: Justiça Militar não pode invocar legítima defesa para
arquivar inquérito sobre morte de civis por PMs
Arquivamento
do inquérito em ação
penal pública incondicionada
Ao
julgar mandado de segurança que
tramitou em segredo de justiça,
a Quinta Turma entendeu que a vítima de crime de ação
penal pública incondicionada não tem direito líquido e certo
de impedir o arquivamento do inquérito ou de peças de
informação. A relatoria foi do ministro Raul Araújo.
O
processo analisado pelo colegiado se referia a um caso de suposto estupro de
vulnerável, que, por não ter sido constatado por laudo do IML nem por avaliação
psicológica do menor e da família, teve o inquérito policial
arquivado. Os pais da criança questionaram, porém, a decisão foi mantida.
"Uma
vez verificada a inexistência de elementos mínimos que corroborem a autoria e a
materialidade delitivas, pode o Parquet requerer
o arquivamento do inquérito e o juiz, por
consequência, avaliar se concorda ou não com a promoção ministerial. Uma vez
anuindo, fica afastado o procedimento previsto no artigo 28 do Código de
Processo Penal, sem que, com isso, seja violado direito líquido e certo da
possível vítima de crime de ver processado seu suposto ofensor", concluiu
o magistrado.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RHC
139.242; HC
496.100; HC
653299; AREsp
1374735; AREsp
455832; AREsp
1392381; HC
657165; APn
989; HC
589270; REsp
1740921; CC
145660; RMS
66734
Fonte: STJ.
RODRIGO ROSA ADVOCACIA
Contato (51) 99656.6798 (WhatsApp)
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