Recusa injustificada do MP em oferecer ANPP é ilegal e autoriza a rejeição da denúncia – STJ:
A Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) estabeleceu que o Ministério Público (MP) não pode deixar de
oferecer o acordo de não persecução penal (ANPP) de forma injustificada ou
ilegalmente motivada, sob pena de rejeição da denúncia.
Nos processos sobre
tráfico de drogas, por exemplo, a recusa não pode se dar com base apenas na
gravidade abstrata do crime ou em seu caráter hediondo, uma vez que a causa de
diminuição de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de
Drogas (o chamado tráfico privilegiado) reduz a pena mínima do
delito a menos de quatro anos e afasta a sua hediondez.
Para o colegiado, já
no momento de oferecer a denúncia, o MP deve
"demonstrar, em juízo de probabilidade, com base nos elementos do inquérito e
naquilo que se projeta para produzir na instrução, que
o investigado não merecerá a aplicação da causa de diminuição de pena prevista
no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 ou, pelo menos, que, mesmo se a
merecer, a gravidade concreta do delito é tamanha que o acordo não é
'necessário e suficiente para reprovação e prevenção do
crime'".
Com esse
entendimento, os ministros anularam o recebimento da denúncia por
tráfico contra um indivíduo e determinaram a remessa do caso ao órgão superior
do MP, para que seja reanalisado o oferecimento do ANPP.
Tráfico privilegiado acabou sendo
reconhecido no processo
O investigado,
primário e sem antecedentes, foi flagrado com pequena quantidade de maconha e
de cocaína. Alegando que o tráfico de drogas é crime hediondo, o MP não
ofereceu o acordo, o que levou a defesa a requerer a remessa dos autos à
Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do artigo 28-A, parágrafo 14, do
Código de Processo Penal (CPP), sob o argumento de que as
circunstâncias do caso evidenciavam que o réu faria jus à minorante do tráfico
privilegiado.
A remessa dos autos
foi negada pelo magistrado, mas, ao final da audiência, em alegações finais, o
próprio MP requereu a aplicação da causa de diminuição de pena, o que foi
acolhido na sentença, sem
recurso ministerial – confirmando que a defesa estava certa desde o início.
Ao votar pelo provimento do
recurso da defesa no STJ, o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator, afirmou
que, salvo em caso de inconstitucionalidade (como reconheceu a Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal em relação aos crimes raciais), não cabe ao MP nem ao
Judiciário deixar de aplicar os mecanismos de negociação legalmente previstos
apenas com base na gravidade abstrata ou no caráter hediondo do delito, pois
isso "significaria criar, em prejuízo do investigado, novas vedações não
previstas pelo legislador, o qual já fez a escolha das infrações incompatíveis
com a formalização de acordo".
Oferta do ANPP é dever-poder do
Ministério Público
Segundo o ministro,
o ANPP (artigo 28-A do CPP) é
mais uma forma de justiça penal negociada, assim como a transação penal e
a suspensão condicional do processo, e traz benefícios para os dois lados: o
Estado renuncia à possibilidade de condenar o réu em troca da antecipação e da
certeza de uma punição, enquanto o réu renuncia à possibilidade de ver
reconhecida sua inocência em troca de evitar o desgaste do processo e o risco
de prisão.
Schietti comentou
que a jurisprudência dos tribunais superiores considera que a oferta da transação
penal, da suspensão condicional do processo ou do ANPP ao
investigado é um dever-poder do MP. Sendo assim – acrescentou –, não cabe ao
órgão ministerial, "com base em um juízo de mera conveniência e
oportunidade", decidir se oferece o acordo ou submete o investigado à ação penal.
Para o relator, a
margem discricionária de atuação do MP quanto ao oferecimento do ANPP diz
respeito apenas à análise do preenchimento dos requisitos legais, sobretudo
daqueles que envolvem conceitos jurídicos indeterminados, como a exigência de
que o acordo seja "necessário e suficiente para reprovação e prevenção do
crime".
O ministro concluiu
que a recusa injustificada ou ilegalmente motivada do MP em oferecer o acordo
deve levar à rejeição da denúncia, por falta de interesse de agir para
o exercício da ação penal.
Ação penal tem natureza subsidiária e via
consensual é preferencial
Schietti observou
que, à luz do princípio da intervenção mínima, a ação
penal tem natureza sempre subsidiária, "de modo que não
se pode inaugurar a via conflitiva da ação penal condenatória
sem nem sequer tentar, anteriormente, uma solução consensual mais branda
(prevista em lei)", pois, nesse caso, a ação penal ainda
não seria necessária e, assim, faltaria interesse de agir para
o seu exercício.
O relator mencionou,
ainda, o fenômeno conhecido nos EUA por overcharging (excesso
de acusação) e apontou a existência de prática similar no Brasil, mas invertida
("overcharging às
avessas"). Enquanto nos EUA o overcharging é usado
para levar o acusado a aceitar um acordo de plea bargain (confissão
em troca de pena menor), no Brasil, diante do incremento do total de pena dos
crimes imputados, o indivíduo acaba sendo impedido de celebrar um acordo de não
persecução penal.
Segundo o ministro,
isso faz com que todo o aparato judicial seja mobilizado inutilmente, visto
que, ao final, com o afastamento do excesso acusatório na sentença,
voltam a ser cabíveis os mecanismos consensuais, nos termos da Súmula 337 do
STJ.
Processo relacionado: REsp 2038947
Fonte: STJ.
RODRIGO ROSA ADVOCACIA
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criminalista
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